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Market Making: Um Caminho para a Liquidez

Atualizado: 15 de out. de 2023

No nosso último artigo falamos sobre produtos de opcionalidades como substitutos às cláusulas de flexibilidade, sazonalização e modulação. Tivemos muitas respostas falando sobre o problema da liquidez.



Por isso hoje quisemos trazer pra debate uma ideia que é bastante conhecida em todo o mundo, e inclusive não é inédita no mercado de energia: market making.

Já ouvimos que há casos de empresas que já fizeram operações de market making no passado. Se alguem tiver cases pra contar, poderiam contribuir muito para a discussão! Como sabemos que alguns querem contar sem se expor, criamos um formulário NESSE LINK que você pode comentar de forma anônima!

Apesar de market making não ser um conceito novo, vivemos hoje em um momento único pra repensar esse conceito, por dois motivos.

O primeiro motivo é que temos, pela primeira vez, uma infraestrutura em que diferentes produtos estão sendo negociados no mesmo "ambiente". A BBCE já oferece hoje a capacidade de extrair dados para análises em tempo real via APIs. Esses dados ganham cada vez mais relevância para se analisar o contexto da negociação de energia elétrica no Brasil, dado que a liquidez na plataforma tem crescido continuamente nos últimos 3 anos. Esse dataset inédito de um mercado com relativa liquidez abre espaços para abordagens que ainda não são amplamente exploradas em energia no Brasil, mas que na Europa e EUA já são grandes áreas de negócio.

Mas que fique claro: não achamos que isso é o futuro do mercado de energia. Isso é o presente. Já há diversas comercializadoras que tem áreas de ciência de dados extraindo informação de preços utilizando metodologias da estatística voltada para o mercado financeiro. Essa tendência não vai regredir.

Mas então o que é o futuro?

Em breve haverão também APIs que possibilitarão negociação computadorizada (robôs inserirem ofertas e executar diferentes ações no livro de ofertas). Isso cria uma nova gama de possibilidades. Poderemos explorar oportunidades que hoje em dia "não valem a pena" por serem operacionalmente demandantes e sensíveis a tempo de resposta (tal qual market making).

O segundo motivo está na escalabilidade da criação de produtos. A cesta de de produtos ofertados na BBCE já está crescendo e com a licença para operação de balcão organizado, acreditamos que eles terão capacidade de criar novos de maneira rápida, dado que os produtos financeiros tem menos amarras para inovação do que produtos físicos. São regulados não pela Aneel, mas pela CVM e os órgãos competentes do mercado financeiro.

O ponto chave é que contanto que saibamos fazer a precificação, market makers poderão criar novos tipos de produtos em parceria com a BBCE para ofertar não a um cliente ou nicho, mas todo o mercado com qual o market maker tenha crédito bilateral. Esse tipo de escalabilidade normalmente abre portas para a inovação que não são previsíveis upfront.


Algoritmos em outros mercados


Algoritmos para negociação de commodities não são novidade em todo o mundo. Na Europa já há ampla implementação de soluções algorítmicas. A Trayport, principal plataforma de negociação do mercado europeu de energia elétrica e gás natural, escreveu recentemente no seu blog sobre as aplicações de algoritmos nos seus segmentos.

No artigo o autor cita três principais funcionalidades dos algoritmos:

"Algoritmo de ‘Fechamento de Posição’: Algoritmos podem ser usados para equilibrar automaticamente um portfólio. Por exemplo, no caso em que os fornecedores se encontram na posição de ter que ir ao mercado para fechar uma posição, pois não têm flexibilidade para ajustar sua própria usina devido aos níveis de geração de energia renovável em constante mudança. Além disso, este algoritmo pode ser usado para fechar erros de previsão de consumo, bem como de produção;

Algoritmo de ‘Monetização da Flexibilidade’: este algoritmo calcula a otimização de quanto uma usina pode ganhar no mercado intradiário, em comparação com os custos marginais incorridos pela usina. Em outras palavras, uma fábrica pode vender a flexibilidade que poderia ter e, com isso, obter lucros adicionais. Por outro lado, uma fábrica pode recomprar ativos se o mercado intradiário chegar abaixo dos custos marginais. Isso fornece uma solução livre de riscos, pois é sempre calculada em comparação com os ativos.

A negociação algorítmica também está atualmente se expandindo para o produto de longo prazo - para futuros e a termo. O hedge é usado para proteger posições futuras, incluindo geração de usinas de energia, custos de combustível, exposição a CO2 e consumo do cliente.

Por exemplo, quando olhamos para a política de hedge de consumo de uma empresa de serviços públicos, pode haver a necessidade de fazer hedge do perfil de consumo em 3-4 anos no futuro, usando produtos de longo prazo. Um algoritmo pode não apenas monitorar em tempo real o grande número de produtos necessários para conseguir isso, mas também monitorar a liquidez e a diferença nos spreads. Uma reação rápida às mudanças do mercado é crucial ... e é praticamente impossível para os traders manuais atingirem essa velocidade de execução."

FONTE: Citação direta traduzida livremente, retirada do Blog de Trayport.com em 19/04/2021.

Muitas dessas operações que clientes, mesas de trading e bancos realizam tem market makers como contrapartes. Há formadores de mercado designados para a maior parte dos derivativos negociados em ambientes centralizados. Inclusive, as unidades europeias de alguns players conhecidos aqui no mercado, como Engie e Statkraft, possuem esse tipo de atuação.

O que é market making?


Market making (formação de mercado) é uma estratégia em que um operador do mercado simultaneamente coloca ordens de compra (bid) e venda (ask) de um determinado ativo — seja ele uma ação, derivativo, título de renda fixa, criptomoeda, etc. — esperando que para cada ordem venha uma contraparte e seja realizada a compra ou venda.

Quando outro operador qualquer do mercado, seja ele um trader institucional até um pequeno investidor, coloca uma ordem de compra ou venda de um ativo qualquer, ele pode esbarrar em um problema: mesmo que a ordem seja no preço de equilíbrio do ativo, no qual ele deveria ser negociado imediatamente, pode ser que este operador do mercado não encontre uma contraparte imediatamente.

É nesse momento que entra o market maker. Ele pode decidir voluntariamente ou assumir contratualmente o compromisso de comprar e vender este ativo. Ele não está interessado no preço do ativo cujo mercado ele está formando e não quer lucrar especulando sobre ele. Sua função é apenas garantir que os negócios serão fechados.

Se um trader colocou uma ordem de negociação a um determinado preço e não tem contraparte imediata para comprar o ativo, ele pode negociar com o market maker. Isto é, se a sua ordem a limite não for executada no preço de equilíbrio do ativo, o trader pode negociar com o market maker pelo preço de equilíbrio, mais ou menos o spread.

Exemplos de market makers na B3


Na B3, os market makers são pessoas jurídicas com cadastro regularizado na bolsa que firmam o compromisso de manter ofertas de compra e venda de forma regular e contínua durante o pregão, mantendo a liquidez dos ativos, facilitando os negócios e mitigando movimentos anormais nos preços dos produtos.

Uma rápida busca no site da B3 mostra que 211 ativos de renda variável possuem market makers. Os tipos de ativos que têm market making na B3 são as cash equities (ações, FIIs, BDR e ETFs), commodities (alguns exemplos são boi gordo, etanol e soja) e derivativos (contratos futuros e opções de ações, câmbio ou ETFs).

Os market makers para ações, BDRs e ETFs são em sua maioria o BTG Pactual, Credit Suisse Brasil e o Banco Bradesco. Para FIIs destacam-se o Banco Fator e a XP Investimentos, enquanto para mercados de nicho os market makers podem também ser especialistas do setor em questão — por exemplo, a JBS é market maker de contratos futuros do boi gordo. E se um player do nosso mercado fizer o mesmo papel?

Como market makers beneficiam o mercado?


Se você já operou no mercado financeiro, seja como profissional da área ou para investimentos pessoais, pode ter passado por um momento em que tentou negociar um papel com pouca liquidez. Um exemplo clássico seria uma ação de uma empresa small cap com baixa porcentagem de free float. Ao colocar uma ordem de negociação desta empresa, há uma boa chance de que ela demore mais tempo para ser executada comparada a uma ação de uma grande empresa — é importante ressaltar que os market makers nem sempre atuam de forma ativa tomando quaisquer ordens dos players.

Mas se esta situação aconteceu, provavelmente o ativo que você estava negociando não possuía um market maker. Desta forma, fica claro que a um nível agregado, o maior benefício de se ter market makers é providenciar mais liquidez ao mercado. A um nível individual, a empresa contratar um market maker aumenta a confiança do mercado, já que desta forma o investidor sabe que a empresa possui um bom volume de negociação e caso aconteça algum problema será possível se desfazer rápido do ativo.

Aqui também cabe falar um pouco sobre estratégias de arbitragem, onde um agente busca lucrar independente do movimento do mercado e com baixíssimo risco. Um exemplo clássico de livro-texto é a arbitragem dos preços de venda diferentes em mercados diferentes: digamos que há duas feiras que vendem maçãs iguais, mas a primeira por x reais e a segunda por 2x reais. Se os custos de transporte são menores que a diferença dos preços, não importa o que aconteça com eles desde que persista a diferença, pois um agente pode simplesmente comprar na feira mais barata e vender na mais cara.

Neste contexto, os market makers também ajudam a fazer valer o princípio da não arbitragem, segundo o qual existem raríssimas oportunidades de arbitragem e se existem, acabarão assim que muitos operadores do mercado perceberem a distorção. Embora muito se discuta sobre o quão válida é a hipótese dos mercados eficientes na vida real, os market makers estão sempre fazendo um esforço de diminuir o spread entre preços diferentes dos mesmos ativos, contribuindo para diminuir oportunidades de arbitragem e coibir a existência de almoços grátis no mercado financeiro.

Pra concluir, é importante que entendamos que um market maker, em essência, é um participante que tem estrutura, processos e disposição para suportar riscos que a maior parte dos players não pode/quer. Por ter um controle sobre um grande conjunto de dados, pode otimizar estratégias de neutralização de risco e liquidações, além de ter a capacidade de realizar hedge de um produto ilíquido em outro que é mais líquido por meio da relevância estatística na relação entre os produtos.

Esses riscos que "ninguém quer" impedem produtos novos de surgir e crescer. Um player mais informado e automatizado pode criar novas possibilidades para o mercado.

Como um market maker ganha dinheiro?


Até agora falamos sobre como todos os agentes do mercado financeiro são beneficiados pela presença do market maker, exceto por ele mesmo. Se você não é familiar com o funcionamento do market making, pode pensar que não faz muito sentido que alguém faça este papel, mas aguenta firme que já vai fazer.

Além das comissões recebidas pelas suas contratantes (bolsa ou empresas), eles lucram com o bid-ask spread, isto é, o spread de compra e venda. Ao operar ordens a mercado, todos nós pagamos o spread para o market maker. Ele é a diferença entre as cotações de compra e venda para um determinado ativo e o seu tamanho é uma medida da liquidez do mercado e dos custos de transação. O tamanho do bid-ask spread depende principalmente do risco de informação assimétrica e da volatilidade do ativo — caso o spread seja zero, a teoria econômica diz que o ativo não possui fricções.

Geralmente o spread é uma pequena porcentagem do preço do ativo, de forma que para obter grandes lucros é preciso negociar um grande volume. Por isso, market makers costumam ser grandes instituições financeiras. No entanto, em mercados com muitas fricções, há uma boa oportunidade de se fazer dinheiro, que costuma ser acompanhada por dificuldades da mesma magnitude em determinar um bid-ask spread justo.

Tendo introduzido o conceito de arbitragem na seção anterior, aqui podemos falar sobre arbitragem estatística. A ideia é a mesma (obter lucros com baixíssimos riscos e pouca correlação com o mercado), mas neste caso se utilizando de relações estatísticas entre ativos, como propriedades de reversão à média. Identifica-se uma relação de equilíbrio entre ativos e se ela desviar do equilíbrio, sabemos que a probabilidade de lucros é muito alta. Esta é outra forma dos market makers ganharem dinheiro.

Na prática o papel de um market maker é calcular preços que considere justos para uma série de produtos, aplicar sua margem (spread) e negociar nesses preços. Essa negociação pode se dar de duas maneiras em um livro de ofertas: deixando ordens a limite (ordens passivas que esperam uma ordem ativa para ser executada) ou executando ordens a mercado (ordens ativas) em ofertas que já estão lá.

O gráfico abaixo demonstra uma estratégia simples de ordens passivas colocadas a R$ 10 de distância do preço calculado ao longo de toda a curva de vencimentos.

O ponto importante é que podemos ter cenários conforme abaixo, no qual não temos liquidez suficiente em um produto para fazer uma precificação usando modelos tradicionais.

É aí que os algoritmos podem de maneira extremamente eficiente combater a complexidade. Ao utilizar a relação histórica de preços entre esses ativos ilíquidos e outros ativos sob os quais tenham mais informações, podem determinar um intervalo de confiança para aqueles produtos.

Um exemplo simples: se sabemos que a diferença de preços entre a CONV e a I5 de um determinado submercado tem R$ 47,71 de média e R$ 20,27 de desvio padrão, podemos usar essa relação pra construir bandas de preços atuais mesmo que só tenhamos o preço de uma delas. Essa lógica funciona dentro de um intervalo de confiança pré-determinado, e em muitas vezes operações realizadas baseados nesses preços calculados vão perder dinheiro. Entretanto, tal qual em um jogo de poker, havendo significância estatística de que será lucrativo na parte majoritária das operações, no longo prazo se ganhará dinheiro.

O gráfico acima mostra séries fictícias de preços para energia CONV e I5. Digamos que em um dado momento nesse horizonte de tempo um dos ativos perca liquidez. Caso saibamos as propriedades estatísticas da relação entre eles, podemos ter uma ideia de qual seria o preço deste ativo que ficou ilíquido e se o valor esperado de uma determinada operação é positivo ou não, dentro de um certo intervalo de confiança.

Por sua vez, o gráfico abaixo mostra a série da diferença de preços e as bandas inferior e superior de desvios padrão. A informação mais relevante aqui, que pode ser conferida nos dados do gráfico anterior, é que no mês de junho a diferença entre os preços está mais de dois desvios padrões acima da média. Ou seja, há uma oportunidade de arbitragem estatística a ser realizada caso seja identificada essa fuga do padrão.

Por fim, o gráfico abaixo mostra a variação mês a mês (em módulo) dos preços de CONV e I5, com base na mesma série de dados usada nos dois gráficos anteriores. O ponto que queremos demonstrar aqui é: caso um operador do mercado tivesse percebido esta anomalia no mês de junho, poderia ter vendido energia CONV e comprado I5, desta forma obtendo um bom lucro com a operação. Apesar de perder dinheiro com a conv que subiu (estava Vendido) podemos observar no gráfico que o ganho com a alta da I5, maior que da CONV, pagou as perdas com a CONV e ainda deu lucro.

Podemos pensar em relações de preços entre diferentes classes de ativos também. Um exemplo aqui seriam os derivativos de energia x contratos físicos. Em teoria ambos tem no vencimento curvas de lucro & prejuízo simétricas pois em última instância são liquidados a preço de PLD (seja por liquidação mesmo, ou apenas pelo custo de oportunidade). Claro que na vida real não é tão simples assim.

Uma possibilidade é que eventualmente existam formadores de mercado fazendo arbitragem entre o físico e o derivativo. Isso seria particularmente porque transferiria a liquidez que já existe no mercado físico para o financeiro, praticamente recriando-a.

Imagine que temos uma ordem de compra (bid) de um contrato físico de energia convencional de vencimento jun/2021 a R$ 100,00 (e o market maker tem crédito verde na BBCE para essa ordem). Caso as curvas de lucro & prejuízo fossem simétricas (não são por vários motivos, entre eles tributário), um formador de mercado poderia inserir uma ordem de venda do derivativo a, digamos, R$ 101,00. Se a ordem dele fosse atacada no derivativo, automaticamente ele realizaria a compra da energia física a R$ 100,00, realizando assim o hedge da operação e ficando com R$ 1,00 de lucro.

A mesma dinâmica poderia ser replicada para todas as ordens com as quais o market maker tivesse crédito verde no físico.

Esse é um exemplo bobo de uma ineficiência que será rapidamente extraída do mercado pelas comercializadoras mais preparadas do ponto de vista de bases de dados e capacidades de análise. Mas tem outras que são BEM mais complexas, e que acreditamos que entregarão o mesmo potencial de "statistically relevant free money".

O ponto de conclusão sobre esse assunto é que, dotados dos dados de qualidade e modelos de análise estatística corretos, formadores de mercado podem precificar muito mais do que o que está disponível hoje.

Em última instância um formador de mercado poderia utilizar as bases de dados atuais pra precificar e portanto criar NOVOS produtos para o mercado.

Um dos próximos artigos que publicaremos será sobre a precificação de volatilidade no mercado de energia elétrica e o uso disso para cálculo de preço de opções. Nele vamos mostrar mais a fundo como é a lógica por trás desses modelos.

Enquanto isso, queremos saber suas opiniões.

Quais são as possibilidades que não exploramos?

Quais as outras barreiras que não exploramos aqui?

Até a próxima,

Daniel Barra e Rafael Feltrin






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